A grande aventura messiânica
(Imaculada Conceição – 2021)
A conhecida passagem do Génesis, que escutamos como primeira leitura, não pode ser lida como narrativa histórica, mas sim como texto sugeridor ou revelador. Trata-se de um relato emblemático, análogo às parábolas evangélicas, que enuncia uma verdade de forma breve e deixa o ouvinte a meditar nos seus múltiplos significados profundos. Nesta linha, para lá de outras, duas ideias parecem sobressair: a pretensão humana de encontrar a salvação nas suas próprias forças e a consequente perdição; e a solicitude divina que, mesmo depois de o homem se enredar na teia de opressão que constrói para si próprio, não o abandona, mas torna-se presente mediante a figura histórica do Salvador.
Comer do “fruto da árvore do bem e do mal”, na mente bíblica, significa a presunção de a pessoa viver uma liberdade sem referência à verdade e se constituir juiz, único e em causa própria, do bem e do mal. Equivale a um voluntarismo que transporta para o apetite aquilo que deveria começar numa justa racionalidade e leva a dizer: “é assim, simplesmente porque quero que seja assim”. E isto é uma falsidade e um logro que traz consequências dramáticas à vida pessoal e coletiva.
Mas Deus, que ama a pessoa, pois a criou por amor, passa-lhe à frente. Respeita «religiosamente» a sua liberdade. E oferece-lhe uma consciência para discernir as condições de felicidade e uma mão para se levantar e sustentar. Esta preocupação divina pode ser designada simplesmente por salvação ou redenção. E essa mão é a de Cristo, Ele que não veio apenas chamar o justo, mas também o pecador e que carrega aos ombros a ovelha perdida e reencontrada.
Este desígnio de amor também passa, de maneira insubstituível, pela Imaculada Conceição, a Virgem Santa Maria. O Evangelho desta Missa conta como Deus a introduz neste mistério de salvação, fazendo dela a Mãe do Redentor. A “cheia de graça” toma consciência deste seu contributo. O diálogo mantido com o Anjo, mostra como progride na compreensão do plano divino. Aceita-o e responde-lhe livremente. A liberdade intentada e perdida por Adão e Eva torna-se, agora, liberdade para o bem e libertação universal.
Caros ordinandos, a Mãe do Sumo e Eterno sacerdote é também a Mãe daqueles que participam do seu sacerdócio mediante o Sacramento da Ordem. Ela entra na nossa vida como entrou na de Jesus: na dádiva ao mundo do Homem entre os homens, o Qual, na missão que lhe foi confiada pelo Pai e na força do Espírito, realiza a reconciliação da pessoa com Deus, com os outros e consigo própria.
Sem o Salvador, não havia salvação, logicamente. Do mesmo modo, a contínua atualização desta salvação pressupõe homens que, na participação do sacerdócio de Jesus Cristo, atuem como Ele atuou, realizem o que Ele realizou, façam o que Ele fez. O diaconado e o futuro presbiterado não são conquistas pessoais, prémios obtidos pelo esforço de conseguir vencer uns específicos estudos, nem sequer merecimentos que a Igreja concede por um estilo de vida razoavelmente sensato e equilibrado. São antes uma tarefa e uma responsabilidade de ajudar a descobrir a verdade, formar a liberdade de todos, educar a sua consciência e coloca-la na direção do Deus do amor e do serviço fraterno, quais condições de realização pessoal. Só estes ministros interessam à Igreja deste terceiro milénio.
Aliás, o vosso ministério e o trabalho que deriva deste sacramento vai passar por esta dupla tarefa: orientar para Deus e servir a fraternidade. No primeiro âmbito, entram ações tais como a proclamação da Palavra de Deus, a formação da fé, o anúncio missionário da Boa Nova aos que a desconhecem, o serviço divino de louvor e de ação de graças e a administração de determinados sacramentos. Para a edificação da comunidade, setor, na prática, menos valorizado, mas igualmente determinante, sereis os grandes agentes da comunidade cristã socorrendo os pobres, visitando os sós, animando os doentes, integrando os descartados, incutindo esperança nos desanimados, fomentando a alegria nos tristes e velando para que todos tenham acesso às fontes da salvação e aos bens que o Criador deixou no mundo para toda a humanidade. Lembrai-vos sempre: para além de ser um constituinte fundamental da sua missão, só o âmbito da caridade revela o rosto simpático, atraente e autêntico da Igreja.
Proteja-vos sempre a Virgem Imaculada, cujo patrocínio invoco para o exercício do vosso ministério ordenado. Igualmente, peço a sua intercessão para quantos participam nesta celebração.
Manuel Linda, Bispo do Porto 08 de dezembro de 2021