Missa Crismal
Sacerdócio e afetos
Esta liturgia anda à volta do tema do óleo e da unção. Na oração coleta, especifica-se que essa unção acontece no Espírito Santo. Isaías antevê Cristo, que significa “o Ungido”, como Aquele que é ungido para uma missão redentora em benefício de todo o povo, particularmente dos afastados da alegria e do contentamento. E o Senhor aplica a Si, literalmente, tudo quanto Isaías afirmou.
Participantes do sacerdócio do Senhor Jesus, hoje, somos nós estes ungidos que recebemos o óleo da bênção para que a consolação e o júbilo cheguem àquele a quem somos enviados: o nosso povo. Há neste processo como que uma origem e um destino: o início reside na misericórdia divina que nos confiou esta missão; nós somos os intermediários; e a meta é o povo que, em determinadas alturas, também recebe os santos óleos e, em qualquer circunstância, é o destinatário da boa nova, da cura, da redenção, da liberdade, da consolação, da alegria do Espírito. Este óleo começa em nós, mas os seus efeitos são para os outros. Não se trata de abstrações, mas é um óleo que se se torna vida de qualidade nos pobres, prisioneiros, oprimidos, chorosos, enlutados.
Esta é a razão do nosso ministério, como sabemos bem. Mas importa interrogarmo-nos sobre a maneira como o desempenhamos. Podemos realizá-lo com a frieza do funcionário ou com o calor paterno de quem cuida do povo como o Pai cuida de nós. Aqui reside o timbre ou qualidade do ofício. Ora, dando como suposto que são insuficientes atitudes de mercenário, só nos resta uma ética do cuidado expressa em afetos, simpatia, cordialidade, amor misericordioso.
Esta ética é mais urgente que nunca. Chamados a um estilo de vida humanamente «estranho», tanto podemos endurecer ou calcificar o coração como dispô-lo ao serviço das razões que motivam essa existência. E da mesma forma que temos o imperativo ético de vigiar a saúde, mormente a do coração, também devemos questionarmo-nos sempre a respeito da qualidade de relacionamento com o nosso povo, da alegria com que o servimos, da forma como o tratamos, do zelo por encontrar atitudes simpáticas e atraentes de acolhimento e amabilidade.
Sim, o nosso povo, que não conta com especial ternura nos serviços públicos, espera uma forte diferença positiva nos seus sacerdotes e diáconos. Exige-nos mais. E ainda bem. Hoje, de facto, predominam sentimentos de tristeza e medo gerados por uma sociedade fria e competitiva, incubados pela pandemia e tornados como que palpáveis pela ameaça nuclear da guerra na Ucrânia. Por isso, encontramos muita instabilidade psicológica, forte angústia, frequentes depressões. Mas mesmo que isso não acontecesse, a amabilidade e a simpatia já fariam parte integrante do nosso ministério, pois ninguém cativa corações estando de mau humor. Para além da reconstrução das comunidades fortemente abaladas pela pandemia, a Igreja deste tempo reclama pastores bons, mas que não desconheçam os afetos e os usem no dia-a-dia. Mesmo na relação com aqueles que, porventura, se nos dirigem com as mãos cheias de pedras.
Se isto deve constituir a envolvência das nossas atitudes pastorais, muito mais o têm de ser no interior do presbitério e do grupo dos diáconos. Perante origens plurais, sensibilidades distintas, pertenças espirituais várias, métodos pastorais diversos, reclama-se, mais que nunca, um coração bondoso e compreensivo, capaz de abranger e integrar este rico pluralismo. A unidade, de facto, não é o resultado da uniformidade, mas o sentido de pertença poliédrica que reflete a beleza da luz de muitas facetas e todas se juntam na constituição orgânica do mesmo ser operativo e respeitado: o presbitério e demais ministros ordenados que servem a nossa Diocese do Porto. Nesta linha, apelo a todos: façamos tudo em prol da união e velemos para não dar passos desagregadores. Seria gravíssimo que um presbítero ou um diácono entrasse em conflito com outro ministro ordenado ou até que não lhe dedicasse aquela simpatia fraterna que constitui o cimento familiar. Nesse caso, colocar-se-ia à margem do presbitério ou do grupo dos seus irmãos diáconos. Mas o Porto, que sempre se distingui pela coesão, continuará a dar essa lição a um mundo desagregado e individualista.
É esta unidade que nos conduz ao júbilo pelos momentos grandes e à tristeza das separações. De facto, desde a última Missa Crismal, acontecida a 11 de setembro de 2021, como se recordarão, deixaram de celebrar connosco no tempo e passaram à assembleia do culto eterno os seguintes irmãos sacerdotes: Américo Vilar (08/10/2021), Joaquim da Silva (21/10/2021), Adrião Monteiro (21/12/2021), António Múrias de Queirós (08/02/2022), António Baptista (23/02/2022), Mário Pais de Oliveira (24/02/2022), Álvaro Tavares (03/03/2022), Fernando Soares (17/03/2022, da Arquidiocese de Évora), Franclim Fernandes (25/03/2022), Isaías de Pinho (27/03/2022) e Manuel da Silva Santos (07/04/2022), bem como o Diác. Manuel Augusto Maia (12/03/2022). Rezamos por eles.
Em 2021, tivemos oito ordenações sacerdotais. Porém, os nomes destes novos padres já foram referidos na última Missa Crismal. Em 8 de dezembro, ordenaram-se oito Diáconos que, se Deus quiser, serão padres a partir de julho próximo. São eles: Alexandre Moreira, Gerardo Comayagua, Hugo Cunha, João Azinheira, José Emanuel Amorim, Massimiliano Maria Arrigo e Tiago Dias.
Em 1997 –cumprem agora as suas bodas de prata sacerdotais- foram ordenados os seguintes sacerdotes incardinados nesta nossa Diocese ou a trabalhar nela com vínculo canónico: Agostinho Watela (Diocese de Benguela), Álvaro Rodrigues (Dehoniano), Artur Jorge, Artur Moreira, Augusto Vieira, Feliciano Garcês (Dehoniano), Fernando Coutinho, Humberto Martins (Dehoniano), Paulo Teixeira, Acácio Carvalho (Redentorista) e Simão Avelino (Salettino). Por seu lado, celebram bodas de ouro, pois foram ordenados 1972, os seguintes colegas: Albino da Silva, António de Sousa Alves, António Machado, Domingos Sá, José Domingues, Con. José Lopes Baptista e Joaquim Ribeiro. Assinalamos os sessenta anos de sacerdócio (ordenados em 1962) de: António Teixeira Fernandes, Eugénio de Pinho, Fernando Gonçalves, Godofredo Silva, Joaquim Moreira dos Santos, Joaquim Ferreira, Manuel Vales e Nuno de Oliveira. Também os setenta anos de intensa vivência sacerdotal (ordenados em 1952), de: Augusto Guedes Pinto, José Dias, José Oliveira e Mons. Manuel Clemente.
Anuncio, com alegria, que, a meu pedido, o Santo Padre acaba de atribuir o título de Monsenhor ou Prelado de Sua Santidade aos seguintes Presbíteros desta Diocese, todos a exercerem o mais alto ministério sacerdotal, que é o da paroquialidade: Agostinho Jardim Moreira (S. Nicolau e Vitória, nesta cidade), António Orlando dos Santos (Gueifães e Milheirós, Maia), Domingos Jorge do Aido (Maia), Fernando Nuno Queirós (Santo Ovídio, Gaia) e Manuel Correia Fernandes (Senhora do Porto). Como eles, muitos e muitos outros sacerdotes –porventura, largas dezenas- também seriam dignos da mesma distinção. Não podendo ser concedida a todos, de alguma forma representam o Presbitério do Porto e o seu serviço dedicado nas tarefas da evangelização, da liturgia e do governo do povo de Deus desta Diocese.
Na sua primeira homilia pronunciada numa Missa Crismal enquanto sucessor de Pedro, o Papa Francisco lembrou o simbolismo dos paramentos da antiga Aliança, dos quais derivam os nossos. O Sumo-Sacerdote usava uma espécie de casula na qual estavam duplamente gravados os nomes das tribos de Israel: seis sobre o ombro esquerdo e outros seis no direito. Ao centro do peito, junto ao coração, numa pedra preciosa, repetiam-se os nomes de todas as tribos. Diz o Papa que esta é uma maneira bela de exprimir que o sacerdote leva aos ombros o povo que lhe está confiado, tal como o Bom Pastor leva a ovelha perdida e reencontrada, porque a ama e a tem presente no seu coração. Conhece-a pelo nome e, mesmo que afastada pela perda, não a retirou do seu coração.
Esta é a imagem sublime que nos tem de motivar sempre. Aqui reside a diferença entre o Bom Pastor e o mercenário. Hoje diríamos: a distinção entre o sacerdote e o gerente ou administrador. Este é retribuído economicamente pelo trabalho que faz. Mas não é agradecido, não recebe palavras e gestos de carinho, não se lhe dedica ternura. Por isso, sente-se insatisfeito, só, não valorizado, sem o reconhecimento dos seus. E pode entra em crise de identidade. Porquê? Porventura porque trocou o sacerdócio pela gerência.
Que isto não aconteça connosco. Para isso, é necessário que saibamos caminhar em conjunto, sinodalmente, na alegria e na esperança, em união com todos, a começar pelos nossos pares. Esta união eclesial começa por se manifestar na fidelidade ao Missal que usamos: ele é suficientemente criativo para prescindir de falsas criatividades e assaz normativo para termos a certeza de que o Sacramento que celebramos é o confiado por Jesus à Igreja e não uma qualquer imitação de sacramento. Também se manifesta na sintonia de corações relativamente às prioridades da Igreja. Entre estas, figuram as próximas Jornadas Mundiais da Juventude que prepararemos com o máximo cuidado.
Caros sacerdotes e diáconos, daqui a poucas horas começa o tríduo pascal. A grande referência é a cruz: cruz de sangue e de dor na sexta-feira e cruz radiante e gloriosa da manhã da Páscoa. E será esta que acompanhará o anúncio da alegria da ressurreição nas visitas pascais. Mas é sempre a cruz. E como diz ainda o mesmo Papa Francisco, “com a cruz não se pode negociar: ou se abraça ou se recusa”.
Nós somos os homens da cruz, porque a abraçamos. Para nós e para os nossos fiéis, seja cada vez mais uma cruz pascal, de alegria, rejuvenescimento, entusiasmo, de esperança e futuro. Uma cruz de afetos.
Manuel Linda, Bispo do Porto 14 de abril de 2022