Despedida dos símbolos da JMJ da Cidade do Porto (9/10/2022)
Domingo XXVIII
Reunimo-nos nesta catedral para celebrar o Domingo e fazer ação de graças pelo êxito da passagem dos símbolos da Jornada Mundial da Juventude por esta cidade do Porto e por aquela outra que o Douro une e seu Concelho: Vila Nova de Gaia. Foi nesta Sé que foram recebidos, após memorável receção na Ribeira, e é dela que, agora, são enviados a outro ponto da Diocese: ao santuário mariano de La Salete, referência da zona pastoral sul. Também lá iniciarão o seu percurso com uma solene concelebração, às 16 horas. E tenho a certeza de que o acolhimento será multitudinário, como o tem sido até aqui.
Aliás, a este propósito, permitam-me que refira a reação de alguém, um cristão, mas que se distingue mais pela acuidade do pensamento do que propriamente pela intensidade da prática religiosa. Ao ver a alegria contagiante e a forma entusiástica como os jovem acolhem estes símbolos, dirigiu-se-me para comentar: “Parabéns por duas coisas. Porque, de facto, a Igreja «desconfinou» e «desconfinou» a partir do setor mais significativo, que são os jovens. Depois, porque vocês, Igreja, demonstram uma capacidade mobilizadora que ninguém mais possui na sociedade. Ninguém”.
Esta pessoa ignorará uma coisa: não é a Igreja quem mobiliza; sois vós, jovens, que vos sentis mobilizados enquanto membros desta Igreja que todos formamos em igualdade de pertença, embora com especiais responsabilidades e ministérios confiados a cada um de nós. Esta é uma movimentação da Igreja que está em Portugal e, como sempre, a sua franja juvenil é quem mais se entusiasma com os grandes projetos de renovação, fidelidade às origens, irradiação do rosto amoroso do Senhor Jesus Cristo, fermentação da sociedade com os valores evangélicos, na escuta da voz dos pobres e da voz da terra, sem a qual a própria sobrevivência do mundo corre perigo.
Sim, na cruz vemos um amor crucificado. Vemos Aquele que, habituado a abrir os braços a todos, os abre sempre e em qualquer circunstância. Até na morte, na ressurreição e pela eternidade. E porque o sentimos, correspondemos-Lhe com a abertura do nosso coração. O que não é de estranhar, pois somos «a cidade do coração». Perante o ícone da Virgem Maria, colocamo-nos ao lado do seu Menino e, tal como Ele, ficamos embebecidos com a beleza, a ternura, a exemplaridade, a segurança que dá a sua e nossa Mãe.
Precisamos, de facto, de segurança em qualquer momento da história, mas, porventura, hoje mais que nunca, quando se reconfiguram a sociedade global e a geopolítica internacional. Sabemos donde vimos, mas desconhecemos para onde iremos. E isto causa-nos apreensão e frequentes choques. Não porém, assim, no âmbito da Igreja. Nela, já antevemos o futuro: será uma Igreja mais crente, mais purificada, menos sumptuosa e mais evangelizadora, menos clerical e mais fruto da participação de todos os seus membros, mais sinodal, mais motor da esperança, mais fermentadora das grandes instituições sociais, enfim, mais rejuvenescida e até mais jovem. Confiamos este processo precisamente a Nossa Senhora, neste ícone venerada como Salus Populi Romani –salvação do povo romano- e que, como fez um meu antecessor, o senhor D. António Ferreira Gomes, no Ano Mariano de 1954, aqui poderíamos designar como Salus Populi Portucalensis: Salvação do povo desta Diocese Portucalense.
Nestes dias memoráveis, colhi uma grande lição: vós não tendes medo do mundo e de estar nele enquanto cidadãos e enquanto crentes. A condução dos símbolos às várias e apreciadas referências da vida social –mercados e praias, escolas, hospitais, bombeiros, instituições administrativas, etc.- com o mesmo à-vontade com que entráveis nas igrejas, mostrou-me a vossa notória capacidade de não separar a fé da vida em sociedade, de não estabelecer escusadas dicotomias entre a religião e o mundo. E a evidente alegria com que vos identificais perante os símbolos da fé ou a forma como fazeis oração, mesmo em lugares públicos, garantem-me que há de ser por vós que a nossa fé fermentará aqueles âmbitos da sociedade com os quais, nós, os Pastores, nem sempre contactamos.
Terminada a passagem dos símbolos, convoco-vos, então, para outra tarefa: esta fermentação de um mundo novo e de uma Igreja nova com os valores do Evangelho. E se a palavra medo não entra no vosso dicionário, tende, de mais a mais, a consolação que nos dão as leituras bíblicas deste Domingo. Reparai na primeira: aquele general sírio Naamã, que não pertencia ao povo judeu e, como tal, não conhecia sequer o Deus verdadeiro, acaba por fazer a mais bela profissão de fé possível naquele contexto: “Agora reconheço que em toda a terra não há outro Deus senão o de Israel”. E no Evangelho, aquele inciso de São Lucas a respeito do único ex-leproso que veio agradecer a Jesus o dom da sua cura –“Era um samaritano”- é uma forma de sublinhar muito bem que não há motivo para a desconfiança: quantos de dentro teimam em empedernir o coração e tantos de fora que o abrem generosamente à fé e tornam-se missionários e evangelizadores! Tantos!
É isto que vos peço: levai Cristo àqueles refolhos da sociedade onde a luz tem mais dificuldade em penetrar. E, neste contexto das Jornadas, levai o conhecimento delas a todas as pessoas dos vossos meios, especialmente aos jovens. Que nem um passe este tempo que nos separa das JMJ2023 sem se interrogar: vou ou não? A resposta é dele. E mais outro pedido: começai a sensibilizar os vossos pais e familiares para o acolhimento, em vossas casas, de outros jovens estrangeiros que, connosco, vêm viver as pré-jornadas.
No mais, nunca se esqueçam: Cristo vive! Ele ama-nos! E deu-nos uma Mãe: precisamente a sua. Não estamos sós! Temos dois incríveis amores e companheiros de Jornada: Jesus e Maria de Nazaré. Sigamos com Eles lado a lado!
+ Manuel Linda