“Erguei-vos e levantai a cabeça”
Homilia na Instituição em Ministérios
A vossa instituição em Ministérios, caros amigos, atesta a vitalidade da nossa Igreja e traz consigo uma profunda eclesiologia. Provenientes de origens distintas, uma única meta se coloca diante de vós: servir os irmãos no ministério ordenado, seja no sacerdócio ministerial, seja no diaconado permanente. Servireis os outros, não a vós. Se servireis os outros, alimentando-os da Palavra de Deus e da Eucaristia, é porque eles sentem «fome», estão abertos ao mistério de Deus. Estão inquietos e inquietam. E quando assim acontece, a Igreja está viva, pois a sua vitalidade não consiste no número dos já saciados, mas na ânsia de Deus manifestada nos que anseiam e procuram, mesmo que disso não se deem conta. Porque, no que à fé diz respeito, o nosso mundo contemporâneo se assemelha a pulmões que necessitam de respirar e lhes falta o oxigénio, espero que, num futuro próximo, sejam admitidos à instituição nestes mesmos Ministérios e no de Catequista outros irmãos que permanecerão leigos entre os leigos para, com os seus carismas, fermentarem o mundo.
Este ato institucional projeta-vos para o futuro. Não se trata de dar continuidade a ritos do passado, de fazer o que a Igreja já fazia. Trata-se antes de, a partir de agora, assumir a evangelização e a santificação como tarefa pessoal irrecusável e inadiável. Esta devia constituir a tarefa de todos os fiéis. Mas, na prática, sabemos não ser assim: há muitos que ignoram a sua condição de batizados e esquecem a sã «militância» inerente à Confirmação ou Crisma. Por isso, a Igreja envia-vos de maneira oficial, já que destes provas de possuirdes carisma que vos capacita para esta função ministerial.
Envia-vos para a construção do futuro crente. Sim, a Igreja arranca de um passado, mas tem o seu tempo mental no futuro. É em função deste que realizamos as coisas. Como, aliás, sempre aconteceu na história bíblica. Na primeira leitura, em contexto de exílio e escravidão do povo de Deus do Antigo Testamento, Jeremias garante um porvir de salvação e liberdade: “Dias virão, em que […] farei germinar para David um rebento de justiça que exercerá o direito e a justiça na terra”. E veio. É Jesus Cristo, instaurador de um “Reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz”. Um Reino no qual apetece viver, pois os reinos da terra, por vezes, são precisamente o contrário, como por aí vemos: reinos de mentira e de morte, de maldade e ruína, de injustiça, ódio desenfreado e de guerra total.
O Evangelho segue nessa direção, mas vai ainda mais longe: à abertura à eternidade. Para vincar bem o mal do mundo, Jesus diz que até os próprios elementos da natureza se revoltam. O que gera pavor. Tal como a morte biológica. Mas é aí que que se verá o Filho do Homem. Que vem como é: Salvador. Salvador que, pela sua misericórdia, nos admite junto do Pai. Por isso, é num brado de alegria e esperança que nos faz recuperar o ânimo: “Erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”. Erguei-nos, não permaneçais acabrunhados e prostrados à beira do caminho, porque a realidade mudou. Levantai a cabeça porque o choro a desilusão já não podem entrar no tempo novo da graça e da salvação.
É isto que celebramos no Advento. Se recuperamos mentalmente o acontecido e as grandes figuras da história da Salvação, tal como João Batista, Maria de Nazaré e o próprio nascimento de Cristo, é sempre da direção do futuro: germinou nesse passado a salvação que se há de tornar realidade palpável no futuro. Notarão que as leituras bíblicas fazem referências sempre ao que há de vir, à salvação que chegará.
Também assim na Igreja, também assim na nossa Diocese do Porto. Na Igreja, basta lembrar o lema que o Papa Francisco apontou para a vivência do ano jubilar de 2025: Peregrinos da esperança. Peregrinar é avançar com passos largos em direção a uma meta desejável e de felicidade. E a esperança é aquele ânimo que não me deixa desencorajar, mesmo que a caminhada seja difícil e nos coloque no limite da resistência. Como não podia deixar de ser, a nossa Diocese do Porto segue nesta direção. Por isso, na proposta de vivência deste Advento, usamos estes mesmos termos e concretizamos com uma expressão do poema cantado pela fadista Carminho, na Jornada Mundial da Juventude: "Tu és a Estrela. Eu sou o peregrino". A luz da estrela é o mistério atrativo e entusiasmante do nosso Deus. O verdadeiro peregrino é cada um de nós, tal como os profetas, a Virgem e José, os Pastores, os Magos, etc.
Caros instituendos e todos vocês que participais nesta celebração, “Erguei-vos e levantai a cabeça”. Erguei-vos para percorrer o caminho que leva ao encontro do outro para lhe anunciar a Palavra da Salvação e o ajudar a erguer as mãos para o Alto. E levantai a cabeça para contemplar a aurora radiante de um tempo novo em que a sociedade viverá, efetivamente os valores da liberdade, da justiça, do amor e da paz e a Igreja será mais límpida, mais unida, acolhedora, sinodal e fraterna.
Que a Virgem Santa Maria, a Senhora do Advento, nos traga essa Salvação, como, há dois mil anos, nos trouxe o Salvador.
+ Manuel Linda 01 de dezembro de 2024