Homilia na Missa de Abertura do Ano Jubilar
“Caminhar rumo à Plenitude”
Acabamos de abrir solenemente este Ano Jubilar na nossa Diocese do Porto. Na oração que fiz, em nome de todo o povo de Deus, ainda na igreja de Santo Ildefonso, referiam-se elementos que o caraterizam: o tempo da graça; a cura das feridas dos corações dilacerados pela dor; a libertação das correntes que nos mantêm escravos do pecado e prisioneiros do ódio; a alegria do Espírito; e o caminhar, com renovada esperança, em direção à grande meta, que é Jesus Cristo. Sim, estes são os grandes objetivos. E para os ter bem presentes no horizonte da nossa ânsia e vivência, começamos por uma pequena caminhada que nos conduziu a esta catedral, seguindo a cruz, termo último do amor de Deus, e o evangeliário, a Palavra feita vida.
A peregrinação é, de facto, um dos elementos mais poderosos para promover o desejo de superação e alimentar a espiritualidade. Sem negar que se possam fazer caminhadas por outros motivos, a peregrinação é um ato sobremaneira religioso: é sempre a saída da nossa zona de conforto e do nosso autoisolamento para nos fazer penetrar no umbral do sagrado, no pórtico do acesso a Deus. Por isso, é um fenómeno antropológico presente em toda a história e civilizações e que, numa época de um certo afrouxamento religioso, como a nossa, ressurge como pequena semente que, mesmo com uma pedra por cima, teima em contornar o peso para que possa ver e ser acarinhada pelo sol. Pensemos no fenómeno das peregrinações a pé a Fátima e a Santiago de Compostela.
Ao longo do ano, muitos irão a Roma para atravessarem as várias portas santas. E isso é louvável. Nós também realizaremos uma grande peregrinação a Fátima, em setembro de 2025. Mas, agora, o que nos interessa, é empreender a caminhada mais difícil e indispensável: aquela marcha de conversão interior que nos conduza à autoposse de nós mesmos, à plena recuperação do valor família, à sadia convivência com os outros e ao encontro com Deus. Esta é a viagem mais árdua, mas a mais indispensável. A caminhada geográfica tem pleno sentido quando orienta e favorece a interior. O silêncio, a solidão, o sacrifício, a contemplação reclamam, de facto, algo de grandioso que corte com a monotonia dos dias sem voos.
As peregrinações são sempre amassadas em esperança. No mínimo, a de chegar são e salvo. Mas também a de cumprir o objetivo que levou a ela. Ora, a esperança constituirá a marca da nossa vida ao longo de todo este ano. A esperança é tipicamente cristã. Se, no dizer do Apóstolo, Cristo é a “nossa esperança” ou “a esperança da glória” (Cl 1, 27), o seguidor de Cristo não a pode negar. Cristo sonhou e implantou o Reino de Deus, não obstante a negrura da história daquele tempo, a oposição cerrada da maioria e a quase nenhuma força dos poucos discípulos. Agora, o seu seguidor fará o mesmo, não obstante as dificuldades. Quando as coisas não são fáceis, mais se exigem.
Neste ano, para não perdermos os objetivos nem a meta, que é Deus, precisamos de lançar mão de sinais que nos orientem. Em primeiro lugar, precisamos de fazer muitas vezes a Profissão de Fé ou recitação do Credo, para não trocarmos a fé da Igreja por outras espiritualidades inquinadas. Depois, o exercício da caridade, qual distintivo cristão que usa de misericórdia perante as necessidades dos outros, sejam de natureza corporal ou espiritual. Aproximar-nos-emos do Sacramento da Penitência para obter o perdão dos pecados e remover o que nos afasta de Deus. Valorizaremos a indulgência plenária, que é a remissão de todos os pecados, concedida durante o Jubileu. Enfim, recorreremos mais à oração, diálogo com Deus realizado em contexto de uma coração feliz pela sua proximidade e carícia.
Irmãs e irmãos, este ano tem de deixar marcas. Deve constituir como que o início de uma renovação da nossa existência vivida na responsabilidade, na doação, na generosidade, na esperança e na assunção das exigências da nossa fé. Tem de deixar marca na família, célula das células da Igreja e da sociedade, cuja celebração litúrgica marca este dia. O nosso mundo pode experimentar as novidades, modas, alternativas que quiser. Mas se, ao nível da família, não souber viver os valores da unidade, indissolubilidade, ternura, generosidade e altruísmo, como na família de Nazaré, ficará sem âncoras de futuro e sem o maior dos amortecedores dos choques pessoais, infelizmente tão presentes. E o resultado é a perda de sentido, o desinteresse social, as dependências, o individualismo, a agressividade, enfim, a desestruturação.
Que Jesus, Maria e José se constituam sempre como nosso modelo e nos obtenham a graça de uma inteligência esclarecida para ver o caminho da verdade e de uma consciência reta para o seguir, já que, como diz um provérbio inglês, onde existe uma vontade, existe um caminho. Bom e um frutuoso ano jubilar!
+ Manuel Linda 29 de dezembro de 2024