Homilia no Dia Mundial da Juventude 2024
Caminhemos para não nos colarmos ao chão
Celebramos mais um Dia da Juventude. É uma forma de vos proporcionar convívio entre pares, mas também de dizer a vós e ao mundo que sois parte integrante da Igreja. Por isso, ela identifica-se convosco e os vossos sonhos são os sonhos dela e as vossas dores e dificuldades constituem também as suas dores e angústias.
Sim, a Igreja e vós caminham juntos. O Papa, na bela mensagem que vos enviou para este dia, centra-se no tema da caminhada. Aliás, já é sugestiva a frase bíblica que ele escolheu para vos falar de caminho e caminhada: “Aqueles que esperam no Senhor, caminham sem se cansar”. Daqui, eu retiraria três ideias: há quem caminhe e há quem fique sentado à beira da estrada; há quem se canse muito e outros que se cansam menos; e estes são aqueles que “esperam no Senhor”. Uma palavrinha sobre cada uma.
1. Francisco diz que muitos jovens são prisioneiros do tédio e da melancolia. São palavras dele: “Vivemos tempos marcados por situações dramáticas que geram desespero e nos impedem de olhar para o futuro com espírito sereno: a tragédia da guerra, as injustiças sociais, as desigualdades, a fome, a exploração do ser humano e da criação. Muitas vezes, quem paga o preço mais alto sois vós, jovens, que sentis a incerteza do futuro e não vislumbrais perspetivas seguras para os vossos sonhos”. Consequência: corre-se “o risco de viver sem esperança, prisioneiros do tédio e da melancolia, por vezes arrastados para a ilusão da transgressão e das realidades destrutivas”.
Esta é uma afirmação muito certeira. Conhecemos jovens que, por chafurdice ou por falta de estímulo, caíram, realmente, em “realidades destrutivas”. Destruíram a sua saúde, a alegria de viver, a força anímica, o bem que a sociedade esperava deles e até destruíram a sua vontade de prosseguir caminho. Como tal, não buscam boas metas: o sentimento de plenitude que se encontra na solidariedade, particularmente se em função dos mais débeis; a alegria de quem se esquece de si próprio para fazer felizes os outros; o sonho de dar corpo a grandes causas; o gosto pela vida feita serviço aos outros; enfim, a festa e o contentamento de quem sabe que não caminha sozinho. E isto já constitui parcelas de felicidade. Para o cristão, são realidades fragmentárias que encontram a sua unificação em Deus. Sim, tudo isto já exprime algo daquilo a que chamamos salvação. E sabemos bem quem é o único Salvador: é o Senhor!
2. Todo o caminhar exige esforço e gera cansaço. Só que há esforços aceites com entusiasmo. Por exemplo, o maratonista: faz os treinos, limpa o suor, anda ao frio com satisfação. Porque se desafia a si mesmo. A ponto de não conseguir passar sem correr.
No extremo contrário, estão aqueles que não aceitam desafios, os que apenas vêm o mundo numa tela ou no ecrã do tablet. Ou os que nunca param, que vivem numa agitação frenética, que colecionam atividades, experiências e viagens, enfim, que não têm tempo para os outros, para Deus e até para se encontrarem consigo próprios. São estes quem mais facilmente cai no tédio e na melancolia, pois, segundo o Papa, vivem “um ativismo vazio que os leva a preencher a vida com mil coisas e, apesar disso, sentirem que ainda não conseguiram o suficiente”.
Quando assim acontece, os pés ficam colados ao chão e o caminho fica por fazer. O Papa di-lo com uma imagem oportuna: aqueles que param no caminho assemelham-se a alguém que pisa massa de cimento. Se caminha, os pés movem-se com facilidade. Mas se para, passado algum tempo, aquela massa começa a tornar-se dura e a pessoa já não tem força para retirar os pés. Fica uma estátua viva. Viva, mas estátua.
3. A caminhada da vida nem sempre é fácil. Há alturas de sonho, em que os pés parecem adquirir asas, e outras em que todo o calçado magoa, os pés doem e a ilusão que nos dirigia se converte em desencanto. Da parte dos cristãos, as coisas tornam-se ainda mais duras porque parece que Deus se esconde precisamente quando mais precisávamos d’Ele. Mas não é assim. Uma pequena banda desenhada, de há trinta ou quarenta anos, referia uma pessoa a quem, no Céu, é permitido como que rebobinar a sua vida. Fala com Jesus e diz-lhe: “Vês? Aqui, nesta fase da minha vida, quando o caminho era plano e fácil, tu ias a meu lado. Aqui estão as pegadas dos nossos quatro pés. Mas quando o caminho era pedregoso e magoava, deixaste-me só, pois somente estão as pegadas dos meus pés”. E o Senhor responde-lhe: “Enganas-te. Essas pegadas são minhas. É que, quando o caminho era difícil e te punha os pés em carne viva, eu levei-te ao colo”.
Caros jovens, viver é caminhar. Então, caminhemos. Não nos tornemos estátuas fixadas ao solo pelo cimento. Caminhemos na alegria e na esperança. Caminhemos de mãos dadas com Cristo e uns com os outros. Estamos pertinho do Ano Jubilar que vai ser vivido sob o tema da esperança. As celebrações dos jubileus já têm inerente a si a ideia do caminho: são milhões de pessoas que se deslocam –antigamente, a pé- para se encontrarem com os testemunhos dos fundamentos da Igreja: os lugares santos de Roma. Todos, “Peregrinos da esperança”. Todos convidados a caminhar juntos, pessoas e povos, rumo a um futuro melhor, baseado na esperança, na misericórdia e na fraternidade, num caminho contínuo em busca de Deus e da sua salvação.
Foi isto que nos ensinou o Sínodo, há pouco encerrado. É isto que espero de vós, pois brevemente vai ser lançada a segunda parte da consulta “Porto, que procuras?” sobre o sonho que vós tendes para a nossa Diocese. Conto convosco e com a vossa participação. Como o Papa gosta de dizer, “fazei-nos ouvir”.
Então, boa caminhada. Com muita esperança, mesmo quando os pés sangram. Com uma bela meta, que é a familiaridade com Deus e com companheiros de excelência: Jesus Cristo e os muitos irmãos que constituem a nossa Igreja. Deus vos ajude.
+ Manuel Linda 23 de novembro de 2024