Viver, celebrar e cultivar a fé em tempo de pandemia
Aos Sacerdotes e aos Diáconos,
Aos Responsáveis das Associações, Movimentos e Obras
E a todos os Fiéis Leigos da Diocese do Porto
Para além de outros efeitos nefastos, a atual pandemia de Covid-19 não só não nos permite programar o futuro com alguma clarividência como nos abriga a uma prudência acrescida, pois as informações nem sempre são as mais otimistas. Uma coisa é certa: na Europa, em geral, e entre nós, em concreto, a transmissão do vírus está em aumento assustador e os técnicos falam já num outono/inverno fortemente problemáticos. E, evidentemente, queremos ser parte da solução e não do problema.
Por outro lado, no que a nós diz respeito, a vivência, formação e celebração da fé não está sujeita a épocas favoráveis ou inoportunas nem é compatível com intervalos: é para sempre e qualquer circunstância. Por isso mesmo, é necessário, por parte de todos nós (bispos, sacerdotes, diáconos, responsáveis pelos diversos setores de apostolado e leigos em geral), um esforço para encontrar, em cada ambiente e em cada circunstância, a atitude e a resposta pastoral mais adequada. É que, se a pandemia é muito séria, a efetiva presença pastoral missionária da Igreja (diocese, paróquias, capelanias, serviços, movimentos) não é menos séria e não se pode sujeitar à oscilação das condições de qualquer género.
Rezamos e esperamos que Deus nos conceda a graça de pôr cobro à pandemia, porventura por intermédio de vacinas que se aguardam ansiosamente. Mas tudo parece indicar que a tão referida «imunidade de grupo» ou vacinação em massa não aconteçam antes do final do primeiro trimestre de 2021. Vamos, portanto, colocar como referência a próxima Páscoa que esperamos já poder celebrar com toda a alegria e liberdade. De momento, temos que ir até onde pudermos ir, mas sempre com a preocupação de não ultrapassar os limites da prudência e da legalidade.
Assim sendo, após consulta e com o contributo dos senhores Bispos Auxiliares, apresento alguns princípios básicos orientadores, sem a pretensão de estabelecer regras gerais a aplicar cegamente. As normas das autoridades de Saúde e as que a Conferência Episcopal Portuguesa já formulou são para ter sempre como referência, mormente no que diz respeito ao uso de máscaras, distância social, arejamento dos espaços, desinfeções, etc. Tudo isso deve ser levado muito a sério, pelo menos até outras orientações a que as circunstâncias nos permitam ou nos obriguem.
Tendo isto presente, eis alguns âmbitos a considerar.
1. Catequese. Deveremos ter como referência orientadora (não cega) os procedimentos da Escola, em todos os seus níveis. Deverá ser objetivo irrenunciável: a catequese não vai parar! Reforçar o apoio missionário, afetivo, formativo e logístico aos catequistas e, porventura, tentar aumentar o seu número. Tenha-se como referência o documento do Secretariado Nacional de Educação Cristã “Orientações para catequese em tempos de pandemia”. Aproveitar a circunstância para envolver mais os pais. Se se julgar conveniente, poder-se-ia propor não haver catequese presencial todas as semanas e continuá-la, porventura diariamente, no tempo de férias escolares que coincidem com os tempos fortes da liturgia e da vivência dos mistérios centrais da nossa fé. Caso a caso, poderão ser repensadas as festas, os modos e os prazos da Primeira Comunhão e Profissão de Fé. Uma questão para os vários setores implicados: como poderá ser minorada a ausência da participação na Eucaristia dominical? No mínimo, deve realizar-se uma sessão de catequese mensal, antecedida ou seguida da Missa.
2. Confissões. Não podemos retrair a disponibilidade para este atendimento sacramental. Suposta esta disponibilidade, será viável encontrar espaços e condições em que se cumpram a distância necessária e a discrição imprescindível. Se existirem condições para isso, pode-se usar uma sala arejada com acrílico entre o confessor e o penitente.
3. Crismas. Veja-se se é possível encontrar modos de recuperar os Crismas adiados e de os realizar até ao fim do ano civil. Depois se verá! Nesse caso, seria necessário dividir os grupos e multiplicar as celebrações: sextas à noite, sábados de manhã e de tarde, domingos à tarde. Será necessário limitar as presenças aos crismandos, padrinhos, pais, e catequistas. Embora a grande regra seja a capacidade do local onde vão ser celebrados, de forma geral, pode colocar-se como referência o número de cerca de vinte crismandos por celebração. Quer isto dizer que, temporariamente, suspendemos a norma dos Crismas vicariais e passarão a ser, na sua maioria, paroquiais. Entretanto, se o número de crismandos for reduzido, devem associar-se várias Paróquias, particularmente se confiadas ao cuidado pastoral do mesmo Pároco.
4. Visitas pastorais. Em princípio, suspendem-se. Porém, a juízo dos Párocos e das Vigararias, não é de excluir a possibilidade de levar por diante as que estavam programadas. Neste caso, evitar-se-iam as grandes aglomerações de pessoas e centrar-se-iam em âmbitos específicos: tempo passado com o Pároco e eventual Diácono Permanente para consideração sobre as condições socioeconómicas, pastorais e outras; avaliação do cartório, registos e dignidade dos espaços litúrgicos; reunião com setores muito restritos, tais como Conselho Económico Paroquial, Catequistas, crismandos, Leitores, Acólitos e Ministros Extraordinários da Comunhão; celebração do Crisma.
5. Sacerdotes idosos ou de risco. Os Vigários deverão identificar estas situações e sugerir aos visados prudentes substituições. Sempre e só como sugestão. Porventura, poderiam ser substituídos pelos Diáconos Permanentes colocados nessa Paróquia ou mesmo pelos da zona. Mas que ninguém se sinta marginalizado. Quando, nessa região, não se encontrarem Diáconos Permanentes disponíveis, pode-se pedir o contributo (ocasional e temporário) de algum Ministro Extraordinário da Comunhão idóneo e especificamente formado para essa função. Se as circunstâncias assim obrigarem, pode, inclusivamente, presidir a uma Assembleia Dominical na Ausência do Presbítero, seguindo o ritual editado pela Conferência Episcopal Portuguesa. A “homilia” poderá ser lida a partir de algum bom texto disponível. Mas que não haja nenhuma Paróquia sem a celebração do Domingo: Missa, na forma habitual, ou, excecionalmente, Assembleia Dominical na Ausência do Presbítero. Se alguma comunidade paroquial ficasse privada, por longo tempo, da celebração da Eucaristia, o Vigário da Vara, com o respetivo pároco, providenciariam que algum sacerdote pudesse ir aí, de tempos a tempos, celebrar a Eucaristia e renovar a sagrada reserva.
6. Centros de culto de pequenas dimensões. Com bom tempo, a alternativa podem ser as “missas campais”; no inverno, utilizar salões paroquiais ou providenciar espaços civis adequados.
7. Comunhão aos doentes. Cumpridas todas as normas de segurança, não se esqueça este âmbito da pastoral confiado, primordialmente, aos Ministros Extraordinários da Comunhão.
8. Reuniões. Sejam as diocesanas, sejam as paroquiais, alternar, como já se tem feito, o presencial com o virtual. Ou mesmo ficar só neste, se as circunstâncias o aconselharem.
9. Reuniões de Vigararia. O ideal seria que fossem presenciais. Mas as conjunturas é que determinarão a modalidade. Deverá procurar-se, na medida do possível, que os que não podem ou não devem ir possam participar virtualmente. No mínimo, deverão ter acesso rápido a informação circunstanciada do teor da reunião.
10. Ofertórios consignados. Sabemos bem da penúria geral, particularmente de muitas Paróquias. Não obstante, sem insistir muito, todos eles devem ser lembrados. Também eles representam uma forma de abertura e sintonia com uma Igreja que não é «paroquial», mas católica.
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Aproveito esta oportunidade para, mais uma vez, felicitar vivamente os agentes de pastoral desta nossa Diocese do Porto, com lógico destaque para os Párocos, Reitores, Capelães e Diáconos, pela forma absolutamente brilhante como têm respondido à crise da pandemia, com frequentes sacrifícios pessoais: seja na presença junto do seu povo, com forte e serena inovação, para que nunca lhe falte o ânimo, os sacramentos e os ritos religiosos; seja no empenho para minorar o sofrimento de tantos, mormente a nível dos Centros Sociais Paroquiais e estruturas similares. O mesmo poderia dizer a respeito do grande exemplo no cumprimento das normas de segurança, por vezes até com notório exagero. Bem-hajam! Continuaremos com igual determinação e afinco.
Esta epidemia é a primeira –e certamente será a única, se Deus quiser- que nos é dado sofrer. Mas, por esse mundo fora, há milhões e milhões que passaram por momentos ainda mais dramáticos. Pensemos nas atrocidades das guerras e nos regimes políticos que executaram extermínios em massa. E tudo isso passou, graças a Deus. Pois, o Covid-19, como todos os males, também passará. Até porque Deus está presente na história da humanidade e faz dela uma história de salvação. De muitos modos e por vários meios. Mas, agora, particularmente pela ciência e pelas tecnologias aplicadas ao bem. Para mais, já sabemos como se transmite o contágio, ao passo que, por exemplo, numa guerra, nunca se sabe quando uma bomba atinge as pessoas. Por isso, temos capacidade de «defesa» muitíssimo superior àquela que tantos experimentam em situação de conflito causado pela malvadez humana. Basta que não abrademos a vigilância.
Como tantas vezes pede o Papa Francisco, que esta situação nos obrigue a repensar mais a relação do homem com a natureza, a edificarmos uma civilização mais justa a nível planetário, a sermos mais solidários e afetivos para com os débeis, a exigir do Estado que respeite e acarinhe as boas iniciativas sociais, a colocar a economia ao serviço do bem comum, a revalorizar os laços inultrapassáveis da família unida e indissolúvel, a privilegiar o essencial em detrimento do acessório. E, de maneira fundamental, a reconhecer a nossa fragilidade estrutural e consequente necessidade do Deus da misericórdia e do amor. Até porque, como diria São Paulo, “é na nossa fraqueza que se manifesta a força de Cristo” (2 Cor 12, 10).
É esta força sanante e compadecida que pedimos por intermédio da Bem-aventurada Virgem Maria para esta sua “Diocese de coração”.
Porto, 28 de agosto de 2020
+ Manuel, Bispo do Porto