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COMPREENDO E ACEITO

 

Pastores como o Pastor

 

“O Senhor ama o seu povo” (Sl 149, 4): eis a grande certeza que perpassa toda a Sagrada Escritura e exprime o fundamento da Aliança bíblica. Esse amor não se traduz na dádiva de ouro ou prata, embora, por vezes, apareça Jerusalém como metáfora do grande banco onde os povos acorrerão para fazerem o depósito do tributo espiritual devido ao Senhor de toda a terra. Aliás, se essa afeição fosse comprada, interesseira, em breve se dissiparia, como comprova a experiência humana. Mas essa ternura exprime-se na preocupação solícita por cada membro do povo, particularmente dos mais frágeis, tal como o bom pastor faz com as ovelhas doentes, a ponto de as levar aos ombros. É isto que gera a certeza entusiasmante entre os membros desse povo: “O Senhor é meu pastor; nada me faltará” (Sl 22, 1). Eis, portanto, a convicção da segurança que todos ansiamos: o amor do Senhor envolve-nos. Ele está como servidor. Porque nos quer bem, é o nosso refúgio e proteção (cf SL 91, 2).

Este amor do Senhor é para sempre e para com todos. É também votado à nossa Diocese do Porto que contará, a partir de hoje, demais a mais, convosco os cinco que ides ser ordenados, bem como com os outros vossos colegas que já o foram em julho. Este é um sublime presente do nosso Deus, muito superior ao ouro e à prata. É uma dádiva de amor para ser aceite no amor e vivida com muito amor. É uma dádiva de um coração bondoso para esta Diocese do coração.

Mas é uma dádiva exigente. No batismo, já estáveis incorporados em Cristo e na sua ação redentora. Mas no sacramento da Ordem, a partir de agora, configurais-vos muito mais Àquele que veio para servir e não para ser servido. Muito embora a história tenha acentuado determinados âmbitos, o serviço a que sois chamados é o típico do sacerdócio de Cristo, na sua totalidade: edificação de um povo que se sinta efetivamente família de Deus; celebração dos louvores divinos; e exercício da caridade, imitando, assim, o Senhor Jesus que “passou fazendo o bem” aos que n’Ele punham a sua confiança e a quem O não aceitou.

Sois ordenados na Solenidade de Cristo Rei. A segunda leitura que escutamos constrói-se à base desta expressão nuclear: “É necessário que Ele reine” (1 Cor 15, 25). Ora, sabemos bem em que consiste o Reino de Deus. Para quem o imaginasse como triunfo intramundano, o prefácio desta Missa encarrega-se de o esclarecer: o Senhor implanta-o “oferecendo-Se no altar da cruz, como vítima de reconciliação, [para que aí se] consumasse o mistério da redenção humana”. Este é o ponto de chegada de toda uma vida que não se limitou a pregar boas ações, mas, na realidade, deu de comer, deu de beber, acolheu, vestiu, curou, visitou, libertou, como refere o Evangelho a respeito dos critérios a partir dos quais seremos julgados.

Caros ordinandos, tende isto como referência da vossa vida de Diáconos e, futuramente, de Presbíteros. Não vos ordenais para promoção pessoal ou familiar. Sereis Diáconos para servir a Igreja e o mundo. Aqui se jogará o timbre de pertença ao ministério: na capacidade de reservar pouco para vós para que a disponibilidade para os outros seja a mais elevada possível.

Estamos numa encruzilhada da história da Igreja. Notamos que ainda há quem reserve muito ou tudo para si. Tristemente. Entretanto, o “sensus fidei” da comunidade dos crentes sabe bem que isso não é evangélico, não copia a forma de atuação de Jesus, não é típico do Reino de Deus. E sabe também que a via da renovação, do serviço, do bom pastoreio, do ser capaz de levar aos ombros a ovelha doente, é a única para a qual o Espírito nos impele na hora presente. Para tempos novos, critérios novos de compreensão do ministério.

Então, sede fiéis ao Espírito. Sede discípulos de Cristo. Sede bons pastores.

 

 

Manuel Linda, Bispo do Porto 22 de novembro de 2020