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COMPREENDO E ACEITO

Os novos padres em discurso direto


Os novos presbíteros formados no Seminário Maior do Porto e no Seminário Redemptoris Mater respondem às questões de Voz Portucalense.

1-Quando é que o seu amor a Cristo passou a ser chamamento para a vida sacerdotal?

2-Como foi o seu percurso de vida até chegar ao Seminário?

3-Para si o que é ser padre hoje?

 

David João Silva Azevedo (Moreira da Maia), Seminário Maior do Porto

1. O meu amor ao Filho começa pelo amor à Mãe, a Senhora do Rosário. Desde muito novo, pelos meus três/quatro anos, gostava de rezar o terço com as minhas vizinhas numa pequena capela perto de minha casa, a Capela de Santa Luzia. Durante o mês de maio era para mim uma das melhores atividades que tinha como criança. Cedo aprendi a rezar e cedo me interessei pela imagem do meu antigo pároco. Como criança tinha vontade de ser como aquele “homem que estava no altar a rezar”.

Fui crescendo e com as dúvidas da juventude e principalmente da adolescência, “abafei” uma vontade que era evidente. Mais tarde, já por volta dos meus vinte e seis anos, estando sempre ligado à minha comunidade e mantendo uma relação de oração com Cristo, através de uma provocação do meu pároco de então – ao dizer-me que achava que deveria ser sacerdote – despertou um turbilhão de dúvidas e sentimentos.

Foi precisamente nessa altura que senti que não tinha mais força para negar aquilo que para mim era evidente: o chamamento para a vocação sacerdotal. Voltando a esse momento relembro a imensa alegria de ter sentido o amor de Deus e de ter, com todas as dúvidas, decidido dar uma volta de 180º na minha vida, optando assim por responder positivamente a um Amor que apenas deseja a felicidade de cada um.

2. Foi um percurso perfeitamente normal e igual a qualquer outro. Os primeiros anos foram vividos com os meus avós maternos, indo para o infantário nos dois últimos anos. Frequentei o percurso escolar até ao 12º ano de escolaridade e durante esse tempo saía com amigos e trabalhava na agricultura sempre que podia, pois sempre foi um hobbie de eleição.

Após estudos fui trabalhar para a Efacec Energia, trabalhando durante nove anos na secção da Expedição da fábrica. Não deixava de ter tempo para a agricultura, para ver jogos de futebol e de futsal, bem como para jogar ou andar de bicicleta sempre que podia. Foi sempre uma prioridade pertencer à minha comunidade, não só na celebração da Eucaristia dominical, mas também como membro de coros, comissões e movimentos paroquiais. Foi este, de forma muito resumido, o percurso que me levou até ao seminário.

3. Para mim ser padre hoje é sê-lo como sempre foi, mas com respostas conformes com o tempo em que vivemos. «Deixando tudo, seguiram Jesus» (Lc 5,11b). Penso que ser padre hoje baseia-se muito nesta ação derivada da vocação dos primeiros discípulos no Evangelho de Lucas. Ser capaz de deixar sobretudo o meu ego e tudo aquilo que me separa do amor de Deus.

Só um seguimento pleno a Cristo, verdadeiro Sacerdote, pode fazer dos seus ministros verdadeiras testemunhas no mundo, no concreto do quotidiano, mostrando que vale a pena viver por, com e em Cristo. Viver verdadeiramente este Amor requer uma vida conforme do sacerdote que ateste essa relação.

Depois, o sacerdote não se pode ficar por amar a Deus sobre todas as coisas, já que esse amor conduz ao amor pelos irmãos. Então, ser padre hoje exige também uma atenção contínua e renovada àqueles que serve, à sua vida real e às situações concretas. Porque só estando verdadeiramente junto do povo a quem serve, conhecendo verdadeiramente cada ovelha, lendo os sinais dos tempos através do Evangelho e da relação com Cristo, só assim pode atualizar a mesma Boa-Nova de sempre – Jesus Cristo – e viver por Deus para os irmãos a quem é enviado.

 

 

Pedro Joaquim Gonçalves Teixeira (Celorico de Basto), Seminário Maior do Porto

1. Tudo começou na catequese e quando acompanhava os meus pais à Mas o ponto que me ligou mais, creio eu, foi quando a minha mãe pediu ao nosso pároco para eu ingressar no grupo de acólitos. Como era um miúdo irrequieto e lá no fundo a minha mãe acreditava que se estivesse envolvido na celebração da Eucaristia, isso me iria acalmar e manter concentrado. Daí em diante, à medida que crescia levou-me a cultivar uma boa relação com o meu pároco e a sentir, na proximidade ao mistério da eucaristia, o meu amor a Cristo aumentar à medida que as inquietações se tornavam cada vez mais uma proposta para a vida.

Procurava sempre responder às questões que me surgiam sobre Cristo e sobre a fé contando para isso com o valioso contributo do meu pároco, sempre disposto a ajudar-me naquele que seria o início de um caminho de discernimento.

Nesta dinâmica de proximidade na interrogação: «Que queres de mim Senhor?» comecei a ver nele um modelo a seguir. O seu amor à eucaristia, o seu amor na entrega aos outros, tudo isto ajudou-me a começar a questionar e por que não ser também sacerdote? Essa foi uma etapa fundamental para tomar consciência que o amor a pela pessoa Cristo havia começado por aí mesmo: o exemplo do meu pároco.

2. O meu percurso, foi diferente de todos os que já Cada um tem o seu percurso e o meu não foi diferente. Como referi anteriormente, tudo começou quando a minha mãe me coloca acolitar e vejo no meu pároco um exemplo. Comecei a questionar de por que não também ser padre. O meu pároco sabiamente me disse que ainda tinha tempo para amadurecer a ideia. Mas não deixou de me acompanhar neste processo de amadurecimento. Entretanto, o meu pároco saiu, o que na altura me abalou um pouco e a partir daí o amadurecimento desta vontade foi feita através da oração, com o apoio do novo pároco e da participação ativa na minha paróquia, o que me levou aproximar ainda mais de Cristo e deste desejo de ser sacerdote. Entretanto o pároco volta a mudar. E eu decido, no final do secundário, ir para Ponte de Lima tirar um curso de Viticultura e Enologia. Nessa altura o meu pároco perguntou-me se eu não gostaria de fazer uma aproximação ao seminário. Aceitei esse desafio e no final de um ano fui aceite no seminário.

No final de dois anos, depois de uma conversa com a equipa formadora, com o meu pároco e com a minha família, decidi abandonar o seminário.

Após a minha saída interroguei-me qual seria o meu futuro? O que queria fazer dali por diante? Decidi colocar mão à obra i ir trabalhar e aproveitando que o meu irmão mais velho estava em França, decidi ir trabalhar uma temporada para lá como eletricista.

E apesar de me encontrar num país diferente e numa cultura e uma língua novas, continuei a ter uma vida ativa na comunidade francesa. Durante esse tempo novo, pleno de questionamentos, buscava no refúgio da oração respostas às minhas ansiedades e questões. Naqueles longos dias de emigração em França encontrava no silêncio à frente do sacrário um lugar predileto para passar o meu tempo livre. Mesmo diante o deslumbramento de uma nova vida numa cidade cosmopolita, nunca passou pela minha cabeça deixar a questão vocacional de lado, mas o fato de ter entrado e saído fazia-me questionar se realmente era aquilo que Deus queria para mim. Foi em 2017 que tudo mudou. Como já tinha feito os meus exames há algum tempo, apareceu-me no Facebook uma publicidade sobre a possibilidade de acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos.

Informei-me se me podia inscrever em Teologia através desse programa e em junho desse mesmo ano realizei a minha inscrição. Como não sabia o funcionamento e tinha receio de não conseguir entrar na Faculdade de Teologia, candidatei-me aos núcleos de Braga e do Porto.

Assim fiz o meu exame em setembro e tendo aprovação nas duas, por um gosto pessoal, decidi ir para o Porto. Entrei nesse ano, então frequentei no curso de teologia, praticamente todo fora de qualquer instituição de formação sacerdotal.

Durante esses 4 anos feitos como externo, trabalhei em vários locais desde o McDonalds, servente de mesa e até mesmo na construção civil. O meu desejo era ser eu a pagar as minhas contas e até a faculdade uma vez que não queria depender totalmente dos meus pais. Depois de uma conversa com o diretor da faculdade de Teologia, doutor Abel Canavarro, o qual também era e é formador do seminário maior, conduziu-me para o Sr. Reitor do Seminário D. Vitorino Soares, no qual tivemos uma conversa e depois dessa conversa, e o aval da restante equipa formadora, entrei para o seminário em setembro de 2020, para o 5º ano de formação. Tenho muito agradecer a esta equipa formadora e à comunidade que me acolheu e apoiou. Ajudaram-me a responder às inquietações e hoje não me arrependo do caminho feito. As coisas não são no nosso tempo e ao nosso ritmo, mas no tempo de Deus.

3. Ser padre neste tempo difícil é entrega ao ministério, levar aos outros a mensagem de Jesus que vai para além de belas palavras, mas muito pelos nossos gestos e Ser padre é ser sinal de serenidade na vida daqueles que passam por tempestades. Ser padre é levar conforto, é levar a esperança a um mundo atormentado por tantos males. Ser padre é ser o rosto de Jesus para o outro.

 

David Samuel Brás de Castro Laranjeira (Almada), Seminário Redemptoris Mater

1. Bem, na minha vida apesar de ter nascido no seio da igreja nunca me senti amando. E foi no meio da minha comunidade neocatecumenal, na igreja, que me senti amado pela primeira vez na minha vida. De modo que passei a procurar o meu lugar no meio da comunidade. Foi aí que senti o chamamento de Deus para o servir como padre.

2. Como dizia a minha vida era uma constante murmuração contra Deus no entanto ao me sentir amado por Deus através da minha comunidade neocatecumenal comecei a ver o amor de Deus também em todos os que me rodeavam. Numa crise perguntava a um padre do seminário Redemptoris Mater de Lisboa porque vivia, ao que o padre me respondeu: ” David não perguntes porque vivo, mas para que vivo”. Isso ajudou-me a procurar o meu lugar. Comecei por procurar o sentido da vida no ser o melhor nos estudos e isso não me saciava, tirei um curso profissional de energias renováveis no secundário. Trabalhei como estafeta ao mesmo tempo que tirei um curso de especialização tecnológica em psico-gerontologia em Lisboa pois sou natural de Almada, margem sul do Tejo. Namorei e todas estas experiências me ajudaram a crescer e a conhecer-me como pessoa.

Outra coisa que fez parte do meu percurso foram todos os medos e inseguranças pelo caminho, pois pela adolescência fechei-me muito até chegar ao ponto de ter medo de falar com pessoas, dificuldades em lidar com a autoridade. Porém vi como até chegar ao seminário e também durante como pude enfrentar os meus medos e inseguranças de modo que vejo que o seminário e todo este percurso de vida me ajudou mais que nada a crescer e a tornar-me o homem que sou hoje.

Passei de viver a minha vida numa constante murmuração para a viver numa contínua ação de graças e daí poder entregar a minha vida Àquele que lhe conferiu sentido.

3. Para mim ser padre hoje é saber ser um irmão entre irmãos e saber presidir quando é preciso presidir. É ser alguém que está disponível.

 

Adrián Javier Arteaga Paucar (Cuenca, Equador), Seminário Redemptoris Mater

1. É difícil responder a esta questão sem antes falar um pouco da minha vida. A minha vocação nasce numa comunidade cristã que me ajudou a crescer na fé e a poder ver a ação de Deus na minha história. Desde a minha adolescência o meu coração estava inquieto à procura de algo maior que me levasse à “verdadeira felicidade”. Constantemente questionava-me sobre a minha vocação e qual seria a vontade de Deus para mim. Muitas vezes as minhas inseguranças, os medos e as projeções do futuro impediam-me de ver o amor de Jesus Cristo para comigo. Aos poucos este amor tornou-se concreto na minha vida porque experimentei que Cristo começou a dar sentido às minhas dúvidas e medos e que a minha história fazia sentido. Vi o amor de Cristo no meio de tantos sofrimentos que passei, apesar da minha rebeldia. Diante disto, vi que Ele chamava-me a uma vocação concreta, ao presbiterado.

2. Posso dizer que eu nunca imaginei ser presbítero. É curioso que esta inquietação nasceu precisamente quando eu estava afastado da Igreja. Nasci no Equador, numa cidade chamada Cuenca, numa família cristã católica com sete irmãos, todos rapazes. Durante a adolescência pensava que era autónomo, que podia fazer tudo o que queria, que a mim ninguém me controlava. Por isso experimentei tudo o que o mundo me podia oferecer. Ao mesmo tempo a minha mãe rezava muito por mim e aos poucos fui me aproximando da Igreja. Foi aqui que conheci o Caminho Neocatecumental. Depois quando tinha 15 anos participei de uma peregrinação de jovens em 2010 na cidade de Macas, no Equador. Fruto desta experiência despertou se em mim o sentido da minha vida e qual seria a minha vocação. Após estas interrogações de adolescente, fiz um discernimento vocacional na minha cidade natal ao longo de três anos através de um centro vocacional, onde fui acompanhado pelos meus catequistas e pela minha comunidade do Caminho Neocatecumenal. Nos dois primeiros anos foi muito bom, vivi uma experiência maravilhosa, porém, no terceiro ano essa alegria começou a diminuir porque comecei a perceber que se tratava de algo sério e muitas dúvidas e medos apareceram quando se colocou a possibilidade de eu entrar no seminário. A determinada altura foi-me proposta a disponibilidade total para ir a qualquer parte do mundo, livre e voluntariamente, de modo a fazer parte da Nova Evangelização.

Hoje vejo que este convite foi providencial, apesar de todos os meus pecados, porque precisamente neste último ano estava a afastar-me aos poucos da Igreja porque queria continuar com a minha rebeldia. Tinha até planeado fazer o curso de Engenheira informática na facultade, tudo com a intenção de fugir à minha realidade e à minha vocação. Todos estes acontecimentos ajudaram-me a sair do meu comodismo e a tirar alguns preconceitos de uma suposta “vida feliz”, à minha medida, fundamentada apenas na minha razão, sem a luz da fé. Foi assim que aos dezoito anos decidi entrar nesta aventura e aceitei o convite para ir a um retiro de jovens de todo o mundo em Porto São Giorgio, na Itália. Daqui fui destinado ao Seminário Redemptoris Mater do Porto em 2014, no qual deixei tudo para trás, o meu país, família e amigos. Ao mesmo tempo posso testemunhar que Deus nunca me abandonou e que me esperava em Portugal de braços abertos.

3. Para mim ser presbítero hoje é estar disposto a ir a todos os cantos do mundo para anunciar o amor de Jesus Cristo. Ir ao onde Deus quiser e ser parte desta Igreja em saída que muito nos fala o Papa Francisco, uma Igreja missionária por natureza que está chamada a ser luz, sal e fermento para um mundo que aos poucos se vai secularizando onde não são visíveis os sinais da fé, o Amor e a Unidade. Da minha parte, penso que chegou o momento de dar o “sim” definitivo a Deus, sem medos e sem reservas. Com o coração cheio de gratidão por todas as bênçãos recebidas pela parte de Deus, preparo-me para receber o Sacramento da Ordem e assumir com total entrega e responsabilidade a missão a que Deus me chamou. Ao mesmo tempo sei que nada posso pelas minhas forças, que é o Senhor quem conduz a minha vida e que nas dificuldades, tribulações e desafios o Deus Amor me alimentará, isto porque tenho experimentado a Sua infinita misericórdia e o Seu amor incondicional por mim. Espero que com a ajuda de Deus possa ser um pastor fiel, dedicado e também um instrumento de paz e esperança. Por fim, peço a graça de servir com amor, fé e perseverança o Povo de Deus que me for confiado.