COM CRISTO, UM CAMINHO ALEGRE
“Subamos juntos a Jerusalém” (Mc 10, 33)
A experiência de caminhar é habitual para muitos de nós, seja em peregrinação de fé, seja em caminhada lúdica, seja em marcha desportiva. Quem se coloca a caminho parte de um ponto para chegar a outro. Iniciemos esta caminhada da quaresma em direção a Jerusalém (Páscoa) percebendo o ponto de partida e o que desejamos alcançar.
Na sua sempre crescente proximidade, Jesus indica aos Apóstolos que vão subir a Jerusalém, mas também o que lá acontecerá. Esse caminho e, sobretudo, a presença na cidade santa, não será fácil nem cómoda: “Iam a caminho, subindo para Jerusalém, e Jesus seguia à frente deles. Estavam espantados e os que seguiam estavam cheios de medo. Tomando de novo os Doze consigo, começou a dizer-lhes o que lhe ia acontecer: «Eis que subimos a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos-sacerdotes e aos doutores da Lei, e eles vão condená-lo à morte e entregá-lo aos gentios. E hão de escarnecê-lo, cuspir sobre Ele, açoitá-lo e matá-lo. Mas, três dias depois, ressuscitará»” (Mc 10, 32-34).
Os que andavam com Jesus estavam “espantados e cheios de medo” com a «novidade» do que ia acontecer. Tal como hoje: o Espírito do Ressuscitado confronta-nos com os espantos e medos da nossa vida, da Igreja, da sociedade, do futuro. Tantas incertezas e receios: guerras sem sentido, fragilidades emocionais e relacionais, debilidades económicas, dificuldades no acesso à habitação, vícios e dependências que geram novas adições, famílias que se desfazem, domínio do materialismo, etc.! Aproveitemos a quaresma para nos apercebermos mais destas realidades que nos envolvem e das angústias que afligem cada um e a sociedade em geral. A quaresma será um tempo propício para metermos mãos à obra na transformação deste estado de coisas.
Jesus refere os elementos da sua paixão: “vão condená-lo à morte e entregá-lo aos gentios. E hão de escarnecê-lo, cuspir sobre Ele, açoitá-lo e matá-lo.”. Não engana, não disfarça dificuldades; aponta com clareza a realidade dura pela qual vai passar. Contudo, esta linguagem límpida sobre as dificuldades apresenta-se com antecipação da luz da manhã da Páscoa. O caminho da quaresma não se pode ficar pelo “cinzento” da vida. Há que fazer um caminho existencial com o brilho da esperança e do alento, com a firmeza de que a Sexta-feira Santa não é a meta, mas sim o Domingo de Páscoa.
Há um outro elemento entusiasmador que temos de ter presente: Jesus seguia com eles, à frente deles. Jesus é companheiro. Não os manda seguir deixando-os sozinhos nas dificuldades. Não! Caminha com eles e convida-os a fazerem caminho conjunto. Este mesmo Jesus caminha connosco, à nossa frente, toma-nos pela mão para nos falar, guiar, acariciar e fortalecer. Sintamos a alegria de termos Deus como companheiro próximo e íntimo. Com uma boa companhia, a jornada da vida custa menos.
Do compromisso da conversão, pelo esforço interior e exterior (penitência e esmola) de melhorarmos as nossas atitudes, irá raiar a alegria da vida nova. O que dá sentido à afirmação do Papa Francisco de que a quaresma é “tempo de conversão, tempo de liberdade”. Teremos, pois, a ousadia de sonharmos uma vida melhor, um mundo novo, uma Igreja mais jovial, aberta a todos, acolhedora de todos, com a presença de todos, desde a alegria das crianças à docilidade dos idosos, do empenho dedicado dos adultos ao entusiasmo alegre dos jovens que a JMJ 2023 nos mostrou? Há, de facto, um mundo novo a ser sonhado. Não fiquemos paralisados no caminho da vida.
Na nossa Diocese do Porto, somos convidados a viver a quaresma com este mote: “Vamos com alegria. Subamos juntos a Jerusalém”. O caminho não se faz parado, não se faz sem riscos. Ao contemplar as chagas de Cristo, o nosso olhar direciona-se para as feridas e dores de cada um, de cada família, de cada comunidade, da Igreja e do mundo em geral. E interpela-nos a levantarmos o olhar do coração para a luz da Páscoa. Somos sarados, curados, salvos pelas chagas abertas do amor de Cristo. Sejamos bálsamos para as feridas uns dos outros.
A generosidade é uma marca do tempo quaresmal. Pelo jejum e abstinência, somos interpelados a renunciarmos a algumas coisas materiais e a alguns comodismos, percebendo interiormente que Deus é mais importante que tudo o resto. E somos convidados a direcionar “poupança/renúncia” e quanto a nossa generosidade ditar para a partilha fraterna. Todos os anos se indica uma finalidade para ela. E tem sido sempre para instituições e obras de fora da Diocese do Porto. Este ano, porém, escutados todos os organismos de participação, ficou decidido que esse produto será direcionado para o Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição ou Seminário da Sé. O edifício é do século XVI, carece de obras urgentíssimas e é preciso dotá-lo de condições mínimas de habitabilidade para o tornar, efetivamente, o “coração da Diocese”. O custo das obras vai ser muito avultado. Conta-se, pois, com todo o zelo e empenho, traduzidos numa partilha generosa. É uma causa de toda a Diocese e ao serviço de toda a Diocese.
Vivamos a Quaresma com audácia e na certeza de que Cristo caminha connosco, na alegria de sermos companheiros amigos e solidários, tendo a luz da manhã da Páscoa como horizonte no qual tem sentido a edificação de um mundo novo ou “Reino de Deus”.
Porto, 11 de fevereiro de 2024
Os vossos bispos e companheiros de viagem,
+ Manuel Linda
+ Vitorino Soares
+ Joaquim Dionísio
+ Roberto Mariz