São bem conhecidas as ligações a Beata Maria do Divino Coração à Diocese do Porto. Alemã de nascimento e proveniente de uma família da alta nobreza – seus pais eram os condes Droste zu Vischering, de Münster – ela deixou essas altezas para ser mais nobre ainda pela caridade, consagrando-se ao Senhor na Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor para se colocar ao serviço da defesa e promoção da dignidade humana de jovens mulheres em risco, abusadas, exploradas e descartadas. Destacada para Portugal, distinguiu-se como Superiora do Recolhimento do Bom Pastor, na Rua de Vale Formoso, Paranhos, desde 1894.
Mulher de governo e ação, exemplar no cumprimento do voto de zelo que caracteriza a sua Congregação, a Irmã Maria era igualmente mística de exceção, ficando na história da Igreja como confidente do Divino Coração de Jesus. Uma das suas grandes preocupações era a santificação e formação dos sacerdotes, nomeadamente do clero do Porto, tendo oferecido por essa causa os sofrimentos duríssimos da enfermidade que a levou à morte. É reconhecida a sua inspiração na fundação do Pontifício Colégio Português em Roma, vocacionado para a formação dos formadores dos padres diocesanos do nosso País.
Foi como mística e confidente do Divino Coração, que ela dirigiu ao Papa de então – Leão XIII – um apelo a que consagrasse o género humano ao Sagrado Coração de Jesus, o que efetivamente veio a acontecer em 11 de junho de 1899, já a Irmã Maria tinha falecido (8 de junho de 1899), precisamente no primeiro dia do tríduo preparatório desse que o Papa da Rerum Novarum considerou como “o ato mais solene” do seu pontificado.
Menos conhecido é o pedido que o Coração de Jesus lhe fez na primeira sexta-feira de agosto de 1897, após a Comunhão, e que ela confidenciou ao seu Diretor espiritual, vice-reitor do Seminário do Porto e futuro arcebispo de Goa, D. Teotónio Vieira de Castro: «“Quero que consagres a Igreja – que então se projetava fazer na casa do Vale Formoso, Porto – ao Meu Coração. Deves erigir aqui um lugar de reparação e Eu farei dele um lugar de graças, para todos os que pertencem a esta casa, a todos os que nela entrarem e tiverem alguma relação com ela.” Depois Ele disse-me que queria que esta Igreja fosse sobretudo um lugar de reparação pelos sacrilégios e para atrair graças para o Clero».
Em 5 de agosto do ano seguinte, com a aprovação da sua superiora, a Irmã Maria escreveu o seguinte voto: «Para honra, glória e consolação de Santíssimo Coração de Jesus; em reparação e desagravo, principalmente dos sacrilégios; para atrair graças especiais sobre a Diocese, sobre esta casa e sobre todas as pessoas que a ela pertencem, ou de qualquer forma estão em relação com ela, tanto no presente como no futuro; para aumentar o culto do Sagrado Coração de Jesus, resolvo e prometo, tanto quanto de mim depende, dedicar a nossa igreja a este mesmo Divino Coração. […] No caso que morra antes de se fazer a Igreja, peço às minhas queridas filhas espirituais que se lembrem deste meu desejo em cima mencionado e que cumpram a promessa que eu faço hoje, para assim corresponder ao desejo de Nosso Senhor, e consolar o seu Divino Coração».
As Irmãs do Bom Pastor acolheram esta herança e a Igreja foi construída, estando em fase de acabamento aquando da implantação da República, que dispersou a comunidade. Puderam, ainda, manter a posse da casa do Porto porque estava registada em nome do pai da Irmã Maria, de nacionalidade alemã. Mas, na sequência do Tratado de Versalhes, que pôs termo à I Grande Guerra, a casa do Vale Formoso – incluindo a nova Igreja – passou para a posse do Estado Português, a título de indemnização de guerra. Aí se instalou uma unidade militar, tendo sido demolida a igreja para dar espaço à parada…
O voto da Irmã ficou, assim, adiado. Até que a Congregação abriu uma nova casa em Ermesinde e aí edificou uma igreja conventual, dedicada em 1966. Mas, relendo com renovada atenção os documentos do processo de beatificação, a Congregação das Irmãs do Bom Pastor decidiu que a nova Igreja deveria ser consagrada ao Coração de Jesus, cumprindo, assim, o voto da Irmã Maria. O Bispo do Porto acarinhou essa ideia e a consagração teve lugar no dia 9 de junho de 1972, solenidade do Coração de Jesus desse ano.
Vamos celebrar o jubileu dessa consagração no dia 9 de junho de 2022 com uma solene Eucaristia presidida às 21h por D. Manuel Linda, Bispo do Porto.