Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos de 2023 decorre de 18 a 25 de janeiro. Publicamos na íntegra o texto proposto para este ano. Celebração Nacional será no Porto na Igreja Metodista do Mirante no dia 21 pelas 16 horas.
O guião para a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos foi preparado por cristãos do Estado do Minesota, USA, e adaptado em Portugal, numa edição conjunta da CEP – Conferência Episcopal Portuguesa e do COPIC – Conselho Português de Igrejas Cristãs. Voz Portucalense publica aqui na íntegra o guião.
Estão agendadas muitas iniciativas locais, sendo que a Celebração Ecuménica Nacional com a Celebração Diocesana, será na cidade do Porto no sábado, 21 de janeiro, pelas 16 horas na Igreja Metodista do Mirante (Praça Coronel Pacheco) com a colaboração da Comissão Ecuménica do Porto.
«Aprendei a fazer o bem, procurai a justiça»
(Isaías 1, 17)
Introdução
Isaías viveu e profetizou em Judá durante o oitavo século antes de Cristo e foi contemporâneo de Amós, Miqueias e Oseias. Isso aconteceu no fim de um período de sucesso económico e de estabilidade tanto para Israel como para Judá, devido à fraqueza dos “superpoderes” daquele tempo, o Egito e a Assíria. No entanto, foi também um período no qual a injustiça, a iniquidade e as desigualdades eram crescentes em ambos os reinos.
Esse período também viu a religião desenvolver-se como uma expressão ritual e formal da fé em Deus, concentrada nas oferendas e sacrifícios no templo. Essa religião formal e ritual era presidida pelos sacerdotes, que eram também os beneficiários da grandeza dos ricos e poderosos. Devido à proximidade física e à conexão entre o palácio real e o templo, o poder e a influência estavam quase inteiramente no rei e nos sacerdotes, não tendo nenhum dos quais, por longo período dessa história, se erguido em defesa dos que estavam a sofrer a opressão e a iniquidade. Na visão que se tinha naquele mundo (que se repete através da história), os ricos e os que faziam ofertas eram vistos como bons e abençoados por Deus, enquanto os pobres, que não podiam oferecer sacrifícios, eram vistos como perversos e amaldiçoados por Deus. Os pobres frequentemente eram rejeitados pela sua inabilidade económica de participar plenamente da adoração no templo.
Isaías falou nesse contexto, tentando despertar a consciência do povo de Judá para a realidade da sua situação. Em vez de exaltar a religiosidade contemporânea como uma bênção, Isaías viu-a como uma ferida infecciosa e um sacrilégio diante do Todo Poderoso. A injustiça e a desigualdade levam à fragmentação e à desunião. As profecias de Isaias, além de denunciarem a hipocrisia de oferecer sacrifícios enquanto se oprime o pobre, denunciam as más estruturas políticas, sociais e religiosas. Ele fala vigorosamente tanto contra os líderes corruptos, como em favor dos desfavorecidos, enraizando o direito e a justiça exclusivamente em Deus.
O grupo de trabalho indicado pelo Conselho das Igrejas de Minnesota escolheu este versículo do primeiro capítulo do profeta Isaías como texto central para a Semana de Oração: «Aprendei a fazer o bem, procurai a justiça, chamai à razão o espoliador, fazei justiça ao órfão, tomai a defesa da viúva» (1,17).
Isaías ensinou que Deus exige de todos nós um comportamento correto e exige que pratiquemos a justiça, em todos os instantes e campos da vida. O mundo de hoje espelha de muitas maneiras os desafios de divisão com que Isaías se confrontou na sua pregação. A justiça, a retidão e a unidade têm a sua origem no amor profundo de Deus por cada um de nós. Estão no coração do que Deus é e do que Deus espera que sejamos uns para com os outros. O compromisso de Deus de criar uma humanidade «de todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7,9) chama-nos à paz e à unidade que Deus sempre quis para a criação.
A linguagem do profeta no que diz respeito à religiosidade de seu tempo é feroz – «Cessai de trazer oferendas vãs: da fumaça (incenso) tenho horror… Quando estendeis as mãos cubro os olhos» (versículos 13 e 15). Tendo proclamado essas condenações inflamadas e diagnosticado o que está errado, Isaías oferece os remédios para tais iniquidades. Ele instrui o povo de Deus dizendo: «Lavai-vos, purificai-vos. Tirai do alcance do meu olhar as vossas más ações; cessai de fazer o mal» (versículo 16).
Também nos dias de hoje a separação e a opressão continuam a manifestar-se quando qualquer grupo ou classe recebe privilégios acima de outros. O pecado do racismo é evidente em qualquer crença ou prática que distinguem ou elevam uma “raça” [1] acima de outra. Quando isso é acompanhado ou sustentado por desequilíbrios no poder, o preconceito racial supera os relacionamentos individuais e atinge as próprias estruturas da sociedade – com a sistemática perpetuação do racismo. A existência desse preconceito devido simplesmente à cor da pele ou à associação cultural baseada em perceções de “raça” tem beneficiado injustamente alguns, incluindo igrejas, e sobrecarregado e excluído a outros.
Tal como os líderes religiosos tão veementemente denunciados pelos profetas bíblicos, também alguns cristãos têm sido ou continuam a ser cúmplices da aceitação ou da perpetuação de preconceitos, da opressão e do crescimento da divisão. A história mostra que, em vez de reconhecerem a dignidade de todo ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, muitos cristãos deixam-se frequentemente envolver por estruturas de pecado como a escravidão, a colonização, a segregação e a separação que feriram outros na sua dignidade por questões raciais. Assim também dentro das Igrejas, muitos cristãos têm falhado no reconhecimento da dignidade de todos os batizados e têm desprezado a dignidade dos seus irmãos e irmãs em Cristo, baseando-se em supostas diferenças raciais.
O Reverendo Dr. Martin Luther King Jr memoravelmente disse: «É uma das tragédias da nossa nação, uma das vergonhosas tragédias, que o horário das 11 da manhã de domingo seja uma das horas mais segregativas, ou a mais segregativa hora na América cristã». Essa declaração demonstra as conexões entre a desunião dos cristãos e a desunião da humanidade. Todas as divisões têm a sua raiz no pecado, isto é, em atitudes e ações que vão contra a unidade que Deus deseja para o conjunto da sua criação. O racismo é, tragicamente, parte do pecado que tem dividido os cristãos entre si, fazendo-os celebrar em horários separados, em lugares separados e, em certos casos, tem levado à divisão em algumas comunidades cristãs.
Infelizmente pouca coisa mudou após a declaração de Martin Luther King. O horário das 11 horas da manhã – o mais comum para as celebrações dominicais – frequentemente não mostra a unidade cristã, mas, pelo contrário, mostra a divisão, evidenciando classificações e separações raciais e sociais. Como Isaías proclamou, essa hipocrisia entre pessoas de fé é uma ofensa diante de Deus: «podeis multiplicar as orações, não as escuto: vossas mãos estão cheias de sangue» (v 15).